Também se escreve torto por linhas direitas

Vamos caminhando nesta vida com uma ideia inconsciente que, de alguma maneira, estamos sempre melhores do que fomos antes.

Que a nossa versão de há 5 anos, 5 meses ou até 5 dias é inequivocamente pior que a atual.

Que o nosso grupo de amigos, quer tenha passado por dificuldades ou não, está mais sólido que nunca.

Que a relação, o emprego, o hobby e aquele sonho/objetivo que todos temos estão destinados a uma melhoria, mais ou menos turbulenta, mas sempre contínua.

Talvez seja uma visão idílica da realidade de onde muitos retiram conforto, mas não é a verdadeira.

Muitas vezes, desaprendemos.

Muitas vezes, falhamos e com esse erro retiramos a lição incorreta.

Muitas vezes, perdemos só tempo – quer seja numa relação tóxica, num passatempo menos saudável, num amigo que se afasta ou nos apunhala nas costas.

A conceção de que em cada situação se retira sempre um saldo positivo, porque “aprendemos” ou “demos o nosso melhor”, além de insuficiente, é perigosa.

Porquê?

Porque é uma reação puramente instintiva, derivada do medo mas que não o supera.

Temos dentro de nós uma aversão enorme à perda completa, à derrota do corpo e da mente, então refugiamo-nos nestas frases e ideias para pintarmos a nossa imagem do final feliz, do tudo está bem quando acaba bem.

Contudo, não é assim que ocorre o verdadeiro desenvolvimento pessoal.

O verdadeiro erro não é perder um jogo mas ganhar o torneio, porque no fim acabou tudo como queríamos!

Como podemos evoluir se apenas tivemos um percalço no nosso inevitável caminho para a glória?

Errar verdadeiramente é perder o torneio duas ou três vezes, perder a batalha e a guerra, é ter tudo delineado, as linhas direitas postas à nossa mercê e mesmo assim escrevermos torto.

É a nossa versão de há 5 anos ser superior à atual.

Só aceitando e responsabilizando-nos completamente quando eles acontecem é que evoluiremos total e veridicamente.

Só se custar é que temos o combustível necessário à mudança.

Aí sim, as lições, a aprendizagem, virão naturalmente.

Com isto não estou a dizer para errarmos de propósito para sermos melhores pessoas, antes pelo contrário.

Quanto menos o fizermos, por virtude do vosso esforço e dedicação, melhor.

Mas não é necessariamente pior se acontecerem (porque irão acontecer).

Haverá coisas em que ganharemos todas as batalhas e também a guerra, outras mais ou menos, e outras serão um desastre.

O importante é perdermos o receio de admitir e encarar o erro definitivo, daquela amizade em que fizemos asneira da grossa, daquele ano (ou dois ou três) em que não fizemos nada por nós mesmos, de termos perdido por nossa culpa a pessoa que mais amávamos.

Talvez assim, e só assim, comecemos a escrever direito por linhas tortas.